70 lições de jornalismo: como aplicar o proposto

Distanciando-se do conceito de imprensa, criado a partir de Gutenberg, o jornalismo adaptou-se, principalmente no ocidente, com a era neoliberal, onde valores morais, ideológicos e até mesmo os espirituais tornaram-se mercadoria – um processo inverso ao fetichismo marxista.
Em terras tupiniquins, com o nosso capitalismo retardado – descrito com maestria por Celso Furtado -, o jornalismo entrou no contexto mercantil e ainda está, como a maioria esmagadora da imprensa mundial. Poucos veículos tratam a informação como prestação de serviço e exercício cívico, e em nosso país não é diferente.
Um jornal é uma empresa no século XXI que consta no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), com as obrigações que qualquer corporação tem, independente do porte. Mas vale ressaltar que os jornais ainda têm espectro ideológico, porém, com outro intento, não mais filosófico como em outrora, mas mercantil, escolhendo um público-alvo e escrevendo para este.

Na atual conjuntura, seguindo a tendência do mercado – os jornais também criaram um serviço de atendimento ao consumidor, personalizado na figura do ombudsman, porém, o conceito de ombudsman transcende o conceito de imprensa e não é privilégio dos jornais.
Ombudsman: palavra de origem sueca, funcionário que, nas empresas, estabelece um canal de comunicação com os usuários ou consumidores, no verbete do filólogo Evanildo Bechara. Quanto à etimologia da palavra, o termo eclodiu em 1809, na Suécia, quando foi criado o cargo de agente parlamentar para limitar os poderes do rei, sendo este o “ombudsman”.
Teoricamente, e segundo os manuais de redação dos principais jornais do Brasil, o ombudsman é uma figura independente da redação, trabalhando, inclusive, geograficamente afastado desta. O fato que para isto existir é necessário acreditar no espírito democrático de uma instituição privada, o que é muito difícil.
O ombudsman em tempos recentes serve para externar aos diretores do jornal sobre, no dia a dia, a aceitação do público-alvo quanto ao conteúdo publicado pelo jornal. Em poucos casos ele é ouvido, cumprindo o papel de utópico em uma terra de conformados.
Mas já tivemos alguns exemplos exitosos quanto ao proposto e o praticado, e dentre estes: quero destacar o desempenho do jornalista Roberto Hirao, da extinta Folha da Tarde, atual Agora, do grupo Folha de São Paulo, da família Frias.

Durante o biênio (92-94), Hirao foi o ombudsman da Folha da Tarde, jornal que tinha a missão de ser a “cara” da cidade de São Paulo, menos politizado que o Jornal Folha de São Paulo, com uma escolha clara pela classe média baixa paulistana.
Em 2009, Hirao publicou o livro “70 lições de Jornalismo”, pela editora PubliFolha, uma coletânea de setenta colunas que escreveu enquanto ombudsman. Com críticas propositivas à redação e de certo modo independentes, em um momento muito importante do Brasil, onde o então presidente, Fernando Collor, sofreu impeachment.

Roberto Hirao fazia atendimento ao público, via telefone, além de ler minuciosamente as edições diárias dos jornais, publicando em suas colunas as reivindicações e críticas dos leitores, além das suas próprias críticas e sugestões.
Lembrando sempre aos reportes sobre a importância de validar informações e nunca confiar cegamente em qualquer fonte, exercendo um valor indispensável do jornalismo: consultar sempre mais de uma fonte.
Alertando aos redatores sobre a importância do uso da linguagem textual, do texto sem erros, fator determinante para a perda de crédito junto aos assinantes. Mas lembrando sempre que o pior erro de um jornal é a barrigada, a notícia errada.
Enquanto ombudsman, Hirao lembrava sempre da proposta inicial do jornal, a de abordar com entusiasmo o cotidiano da cidade São Paulo, dando para este maior destaque em detrimento as demais conjunturas.
Porém, sem perder o bom senso, pois sua atuação foi na época do processo que culminou no impeachment do presidente Collor, e isto era de interesse de todos os brasileiros.   
A premissa da meticulosidade era sempre lembrada nas colunas do ombudsman, onde Hirao sempre citava o trecho Manual de Redação da Folha. “Seja obsessivamente rigoroso, não menospreze os detalhes”.
Pregava a busca pela idoneidade com a seguinte afirmativa: “jornalismo é o exercício da dúvida à busca da verdade, e não da consagração de afirmativas”. Criticando qualquer tipo de viés nas matérias da Folha da Tarde.
 Defendia também em suas colunas a consolidação da identidade do jornal. “Um bom jornal destaca-se exatamente pela variedade de assuntos, mas deve definir bem sua personalidade editorial, sua linguagem e seu público-alvo, sob o risco de se tornar uma publicação híbrida”.
 Dizia que perder o valor humano do jornal era um erro imperdoável e que o jornalista deve sempre lembrar que uma vida vale muito mais que um congestionamento. Quanto à exatidão, escreveu: “jornalismo não abrevia, não arredonda, jornalismo preza pela exatidão”, sendo um grande crítico da preguiça de certos jornalistas.
Em suma, trata-se de grandes lições do jornalismo recente no Brasil, tido por muitos professores de cursos de jornalismo por todo Brasil como verdadeiras aulas de jornalismo.

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