O mar está com toda a força, quem conseguirá navegar?
O assunto em voga está quase que batido, pois não
são poucas as análises conjunturais em torno do mesmo, mas não podemos negar a
importância do momento político no Brasil e nos debruçar sobre o tema
As manifestações do chamado “Levante do Vinagre”
já são, com certeza, um fato político histórico para o Brasil, principalmente
no sentido quantitativo. Há quanto tempo não conseguíamos levar tantos jovens
às ruas? Há quanto tempo não conseguíamos unir jovens da periferia e estudantes
universitários em torno das mesmas causas? Os números impressionam nas capitais
brasileiras, nas médias cidades brasileiras e até em cidades pequenas. Recordes
de mobilizações foram quebrados em todo o país.
Logicamente, tal êxito conseguiu ser logrado –
rompendo barreiras históricas da mobilização popular – pela repercussão
midiática que recebeu. Primeiramente num intento de deslegitimar o movimento
com acusações de “vandalismo” pelas depredações que ocorreram e depois numa ação
de cooptação, tentando ganhar as pautas que o movimento não conseguia unificar,
pelo seu caráter de “novo” e por ter trazido muitas formas de pensar no mesmo
espaço.
O fato não é de estranheza àqueles que
compreendem os grandes veículos da imprensa como instrumentos participativos do
jogo político brasileiro. A história mostra claramente que - nos momentos mais
cruciais -, as famílias que comandam a comunicação no país se colocaram na
defesa do ideário burguês – no sentido mais clássico designado por Marx -, mas
sabem que não podem perder suas proximidades com a massa, por isso tenta
legitimar suas opiniões em cima dos resultados obtidos pela mobilização
popular.
Em Ser
Jornalista (2009), Ciro Marcondes Filho faz uma crítica à poética ilusória do
jornalismo chamando a imprensa de ferramenta-mor da luta pela hegemonia do
pensamento social, trazendo à tona o fato de que a imprensa foi a ferramenta
que a burguesia usou para derrubar a aristocracia, e que hoje a atual burguesia
usa para sustentar sua hegemonia.
Neste sentido,
é inegável relatar os fatos que trouxeram tantas pessoas às mobilizações e a
imprensa cumpriu um papel determinante nisto. Com isso, muitos perfis
ideológicos estavam na rua massivamente e isso fez com que o movimento não
tivesse uma pauta única. O estopim se deu na revolta pelo aumento de 20
centavos na tarifa do ônibus em São Paulo – fatos parecidos já haviam ocorrido
em Porto Alegre e Goiânia -, mas foi na capital paulista que a repercussão
nacional ganhou força.
O MPL
(Movimento Passe Livre) fundado em 2005 por militantes anarquistas e de
partidos da esquerda socialista, grande mobilizador em São Paulo pelas
melhorias do transporte público nos últimos anos, era tido como o responsável
pelas mobilizações. Mas é inegável que já no primeiro ato, o transporte público
não era o único assunto.
A violência
policial ganhou força em São Paulo e repercutiu em todo o país. O despreparo e
atraso da PM brasileira (de todos os estados) foram evidenciados nestes
momentos. A partir disso, muitas outras bandeiras entraram nas ruas, palavras
de ordem pedindo melhorias nos serviços públicos de educação e saúde e o
perigoso e necessário discurso anticorrupção.
O fascismo
ganhou força nas mobilizações. Militantes de partidos de esquerda foram
proibidos de erguer suas bandeiras - reprimidos por um nacionalismo tão puro
quanto aquele de Médici. Os atos continuaram até perderem força na última
semana. As consequências políticas estão começando a surgir.
Ações do
governo
Fora o fato de
algumas prefeituras e governos estaduais terem cancelado os aumentos nas
tarifas de ônibus, metrô e trem, as repercussões no governo federal também
foram bastante claras. A presidenta Dilma Rousseff retomou conversas com os
movimentos sociais – que diferentemente de seu antecessor, Lula, não tem muita
habilidade para lidar com estes -, além de ter firmado cinco pactos buscando
contemplar os clamores mais calorosos do povo.
A ação mais
visada trata-se da convocação do plebiscito para tratar da reforma política,
assunto tão debatido nos últimos anos, mas que até agora não apresentou
evolução. O PT tem seu legado em cheque neste momento, ou faz a história andar
ou será lesado por uma insatisfação.
O atraso da
esquerda
Boa parte da
esquerda entendeu que seus mecanismos de mobilização estão defasados e que
precisa chegar aos novos métodos também, que o movimento estava em disputa e
que era seu papel puxar a vanguarda. O problema está no comodismo governista de
alguns que não conseguem ver a força deste movimento e insistem em ficar na
fácil crítica sem ir às ruas.
Os partidos de
esquerda ainda não venceram uma “certa” lógica de privilégios, pois ainda não
abortaram a existência de caciques em suas organizações, de indicações.
Precisam se abrir mais, trabalhar mais suas bases, oferecer mais formação, pois
caso contrário sucumbirá no esgotamento resultante de sua inércia.
O apartidarismo
abordado majoritariamente é bandeira do antipartidarismo que é um argumento
fascista, mas se na abordagem em defesa da necessidade do partidarismo ainda
houver a arrogância messiânica da salvação da sociedade, continuará sendo de
fácil criticismo e escrutínio maldoso qualquer organização partidária.
Muitos socialistas
e esquerdistas em geral evitam as organizações partidárias por temerem a
cooptação, o mero seguimento da cartilha e a não possível participação numa
construção participativa. O centralismo democrático não pode ser usado somente
no momento de isolar quadros insatisfeitos, mas no momento de adequação das
diretrizes do partido em certa conjuntura com o pensamento de sua base.
Sem a
autocrítica não há materialismo histórico dialético que sobreviva, sem o
esquema hegeliano de tese-antítese-síntese não há resolução que tenha passado
por seus principais contraditórios até ser formulada. Sem a conversa
sistemática com os movimentos sociais não haverá consonância de vozes em
momentos de revolta e, ademais, irá gerar um momento de insatisfação pelo
sentimento de cooptação por partes destes movimentos.
Manifestações
que elucidem a importância da organização partidária, as características
internas de cada organização e como um indivíduo pode atuar dentro dela devem
ser feitas. Materiais em defesa dos partidos de esquerda precisam ser divulgados.
Não teremos resultados se ficarmos no convencimento de nós mesmos.
A esquerda
terá de ser mais dinâmica a partir de junho de 2013, e aqueles que rejeitarem a
autocrítica, irão chorar com a queda da popularidade da presidenta, ao invés de
ir para a luta. Os partidos foram xingados por uma direita fascista, mas não
conseguiram apoio de outros setores também. Isto precisa entrar na mesa das
reflexões.
O vandalismo
Aquilo que a
mídia chamou de vandalismo e parte do governo reproduziu em seu discurso precisa
ser dividido em três frentes; 1) Pessoas infiltradas que depredaram a
prefeitura de São Paulo, por exemplo, servindo aos interesses da direita; 2)
Punks que colocaram sua ideologia de ataque ao Estado em prática; 3)
Pessoas da
periferia que não se sentem representadas por bancos e belos prédios públicos.
Nisto, podemos
entrar num amplo debate sobre a representação social dos aparelhos públicos.
Alguém imagina que o teatro municipal de São Paulo consegue apresentar alguma
representação aos jovens da periferia paulistana? Com certeza não, a
arquitetura restritiva dos moldes burgueses já colocam isto em evidência,
ademais quantos daqueles jovens já estiveram em algum evento no referido
teatro?
Por que a
maioria dos jovens da periferia concorda com a depredação? Simples, porque
aquela cidade pomposa, a cidade do teatro e da Paulista, não os pertence. A
teoria das representações sociais aborda exatamente este tópico, na
psicanálise. Na simbologia social, o teatro municipal – signo utilizado nesta
análise pela fácil compreensão de seu papel - representa o domínio burguês
cultural numa metrópole como São Paulo e encontra no rap (ou hip hop) e no
teatro de rua, por exemplo, formas de resistência.
Assim, ou o
estado abre seus aparelhos e prédios para o povo ou o povo nunca se sentirá
dono desses espaços. O conceito de ocupação dos espaços públicos traz
exatamente a solução para este problema, cabe aos governos tidos como
progressistas abordarem este conceito.
Em São Paulo o
assunto é mais crucial do que nunca, tanto pela diferença geográfica de uso-fruto,
potencializada pela diferença econômica, quanto pelo fato do prefeito ser um
adepto da democracia deliberativa de Jürgen Habermas, que preconiza o uso dos
espaços públicos para a participação popular.
Com isso, imaginar que a mera punição irá resolver o caso é mais um tiro no pé. No caso das pessoas da periferia, isso só é resultado da atual conjuntura da sociedade e o processo precisa ser analisado com mais cuidado para que a ação seja mais profunda e ultrapasse o sintoma.
Principal
legado
O grande
mérito está na velocidade imposta pelos anseios populares. Ou o governo
trabalha com mais velocidade, ou será cobrado com mais força, pois as ações pra
Copa do Mundo aconteceram com velocidade e o povo quer a mesma velocidade
imposta em outras áreas. A esquerda não pode se acomodar na simples defesa. Tem
de trabalhar próxima dos interesses populares da atualidade.
As redes sociais mobilizam a classe média e a TV mobiliza as classes mais baixas na pirâmide social. As conversas sobre política entre pessoas comuns tão comentadas por alguns não são resultado somente do Facebook, que ainda atinge de forma restritiva.
A regulamentação
da mídia tem de entrar em debate também, mostrando que não se trata de censura,
mas precisa de uma massiva campanha, pois até agora apenas atingiu ativistas e
acadêmicos. O trabalho de base, citado neste artigo mais uma vez, precisa voltar
ser prioridade, pois caso contrário os partidos sucumbirão de vez ao
estereótipo de trampolim eleitoral.
Por fim, o principal
legado é a mudança e a agitação e a esquerda que não acompanhar, se
endireitará. A velocidade virou necessidade para o povo e o
neodesenvolvimentismo vai mostrar sua validade no próximo período.
Radicalismos, se necessários, deverão ser usados.
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